25 fevereiro, 2022

Simplesmente Dudé - por Jussara Burgos


Fernando José


Não tem como começar a falar de Fernando José Carneiro de Souza, sem citar sua genitora, Dona Osminda Carneiro! Mulher esguia, sempre bem arrumada e uma artista talentosa!

Primeiro ela bordava à máquina e depois pintava tecidos. Suas mãos de fada faziam panos de pratos, enxovais para noivas e bebês, toalhas de banho e mesa, jogos de cama etc, etc...

Sua arte garantia seu sustento e o do seu único filho: Fernando José. Eu era frequentadora assídua da casa dos dois.

Dona Osminda não parava: ela pintava enquanto conversava com as visitas. Sua mesa era uma espécie de confessionário! Um divã de psicoterapeuta! Alí ela dava bons conselhos e conversava os mais diversos assuntos. Após minhas conversas com Dona Osminda, ela me acompanhava até a porta e no meio desse trajeto passávamos na frente do quarto de Fernando José, ele estava absorto lendo livros ou um dos seus muitos gibís. Somente na adolescência nos aproximamos. Nossa conversa, invariavelmente, era sobre a Segunda Grande Guerra Mundial. Fernando leu e pesquisou muito sobre o assunto e sempre falava sobre a guerra. Então resolvemos estudar alemão. Procuramos o pároco, ele se dispôs a nos dar aulas. Mas nos deparamos com uma tal de declinação do substantivo e dentre outros motivos que nos desestimularam. Não levamos nosso projeto adiante.

Nossa amizade se consolidou quando foi criado o grupo teatral Os Gandavos. Encenamos uma peça sobre a independência do Brasil, no Colégio Técnico Joaquim Pereira da Silva, onde Fernando José fez o papel de Dom João VI. Domingos Valeriano foi o nosso Dom Pedro I. A peça teve boa repercussão e ele me convidou para criarmos um grupo teatral. Começamos a procurar um nome para nosso grupo e não chegamos a nenhum consenso. Até que, numa manhã, ele apareceu na minha casa radiante, pois Tonho Remígio folheando o dicionário, encontrou a palavra "Gandavo", que quer dizer contador de histórias. Houve unanimidade e esse foi o nome escolhido. E, assim, fomos ensaiando e nos apresentando. Nessa época Tonho Remígio começou a chamá-lo de Dudé. E o apelido pegou. Dudé era um líder nato! Logo se tornou a pessoa indicada para ser o diretor do nosso grupo. Sem nunca ter estudado arte cênica, me deu aula de como me comportar no palco. Ele dizia: "olhe no fundo da sala sobre a cabeça do público. As pessoas vão pensar que você está olhando para elas! Mas não preste atenção em ninguém. Pois, se você olhar e uma pessoa sorrir ou fizer uma expressão que chame sua atenção, você pode se perder no texto e esquecer sua fala. Esse ensinamento não me serviu apenas para contracenar: ele serve para minha vida! Procuro olhar sempre adiante, na linha do horizonte e evito olhar aquilo que pode me desviar das minhas metas e pontos de chegadas. É preciso ter foco! Sou grata ao meu amigo!

Dudé era a autenticidade em pessoa! Avesso a tecnologia, não tinha endereço eletrônico. Há um tempo não tinha celular. As vezes que ele entrou em contato comigo, foi usando o email de sua esposa Beth.

Conhecendo sua natureza amante das palavras e por ele ser um gandavo, rendo-lhe homenagem contando a sua, a minha e nossa história sem tristeza, lágrimas e despedidas.

Dudé foi um cometa que passou nas paisagens de nossas memórias, deixando sua luz e viajando na velocidade da mesma, rumo ao infinito onde é o seu lugar. Espero em Deus lhe reencontrar para ouvir suas histórias e lhe contar as minhas. Seremos Gandavos eternamente!

Com carinho para Bete, João, Maíra, Aymara e Cheyenne.



Por
Jussara Burgos
Luziânia-DF
Fevereiro/2022

8 comentários:

  1. Linda sua palavra, Jussara, sempre leve, suave e bonita, pra falar dessa inesperada partida de Fernando José, que doeu tanto em mim, mesmo eu só tendo convivido com ele menino, filho querido da minha querida e inesquecível madrinha Osminda. Como você bem diz, ele "foi um cometa que passou nas paisagens de nossas memórias, deixando sua luz e viajando na velocidade da mesma, rumo ao infinito onde é o seu lugar." É somente lá que que se pode experimentar a infinitude da vida.
    Laíse Rezende

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  2. Linda homenagem Jussara. Fernando sempre foi uma criança intelectual. Seu texto maravilhoso descreve um Fernando José com outras qualidades intelectuais que eu desconhecia, posto que, sai cedo de Custódia. Parabéns Parabéns. Lamentável sua partida precoce.

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  3. Sou Lucia Gois o comentário acima. Abraços

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  4. Jussara, há tempos era para lhe agradecer por este texto tão bonito que você escreveu e nos presenteou, mas não consegui porque a dor da perda de Fernando era (e ainda é) imensa. Pensei: “E se essa dor não diminuir, e se não passar?”. Busquei razão no coração e decidi que uma homenagem tão terna e de uma simplicidade cheia de calma e leveza não poderia ficar sem agradecimento.
    Encontrei um Fernando José reflexivo e um Dudé descontraído. Suas palavras diziam o que eu já conhecia e precisava ouvir, principalmente, naquele momento. Estou sempre relendo seu texto!
    Fernando José gostava muito de você. Sempre passou sua imagem para mim como uma pessoa admirável e grande amiga.
    Parabéns pela escrita e muito, muito, muito obrigada!

    Bethe, João Roberto, Maíra, Aymara e Cheyenne

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