08 fevereiro, 2022

Silvio Carneiro, meu amigo-irmão - por Laise Rezende


Arquivo Familiar


Meu convívio com Sílvio Carneiro, melhor amigo de infância e adolescência, é anterior a toda uma rica e densa trajetória de homem público, tão bem narrada por Creuza Carneiro, sua amada mulher, em texto publicado neste blog. Os precisos detalhes de cada etapa da vida dele, que ela traça com fidelidade, compõem o perfil de um homem que serviu, grande e generosamente, à cidade que mais amou - Custódia. Li, com surpresa, curiosidade e prazer, a sequência detalhada de todos esses tantos e tão importantes papéis que ele desempenhou com muita excelência. Nessa época de Sílvio homem público, eu já não morava em Custódia. Fiquei feliz, lendo o relato de Creuza, por saber em detalhes do seu sucesso - e orgulhosa do amigo - o que mais confirma pra mim sua preocupação com o outro, sua generosidade, sua inteligência brilhante e seu múltiplo talento. E confirma porque tudo isso esteve presente no nosso convívio fora desse mundo sério de administração pública, de política, de vida adulta. Seu brilho se revelava, sim, mas no seu fino e permanente humor, nas histórias criativas que inventava, na nossa firme amizade de quase-irmãos, na nossa parceria na arte - formávamos uma dupla muito requisitada para as apresentações dos "dramas".

Não esqueço de um elogio que recebi, na época, de seu Joaquim Pereira, que me marcou muito. Após minha participação numa das peças de teatro ou esquete, ou na recitação de um monólogo, ele me disse: " Você é a Bete Davis de Custodia!" Foi um prêmio! Mas Sílvio e eu não nos destacamos só como ator e atriz - também cantávamos em dupla. Lembro de uma das músicas do nosso repertório, que foi muito aplaudida, Quase Certo, gravada por Ângela Maria e João Dias, se não me trai a memória. Um bom pedaço da letra dessa canção ainda guardo na memória. Morando na mesma Praça Padre Leão, quase vizinhos, ele afilhado dos meus pais e grande amigo de Hélio, meu irmão, formávamos, com outros jovens da época, uma boa turma, que teve um longo período de encontro quase diário na calçada da nossa rua, nos degraus da Igreja, na praça defronte dela e em tantos outros espaços de uma cidade que era nossa. Eu assistia às brincadeiras dos meninos/adolescentes da época, contornando toda a Igreja, tecendo um arremedo dos filmes de cowboy, usando os revólveres que imitavam com as próprias mãos.




À noite, as meninas e os meninos-adolescentes, em grupos separados, volteavam a praça trocando olhares quando se cruzavam, ouviam e dedicavam músicas pela Rádio-Difusora Duas Américas, de seu Duda, e depois de Adamastor, surgindo ali muitos namoros, que se consolidavam nos bancos daquela praça. Por isso, eram ansiosamente esperadas as deliciosas, incansáveis, animadas e emocionantes voltas na praça. E o grupo mais amigo acabava sempre parando junto a um daqueles bancos, uns sentados e outros em pé, para uma boa roda de conversa.

E aí é que Sílvio mostrava seus tantos dons e rico talento. Era inesgotável sua criatividade. Eu era amiga-fã das suas histórias. Ria muito, até chorar, com as suas performances. Mas o que sempre e repetidamente me levava a não aguentar de tanto rir era quando ele cantava uma canção chamada Recordar é Viver, imitando o cantor Carlos Galhardo e exagerando ao máximo nos agudos, que acabavam sempre num tom tão alto e tão fino, que ele quase não conseguia dar conta. Era hilário! Inesquecível! Sagaz, ele percebia o quanto eu o admirava e me deliciava com a sua encenação - já aguardava a minha reação. E a conversa ia até o primeiro/segundo sinal, tarefa cumprida rigorosamente por seu Zé de Izaías, que apagava e acendia as luzes rapidamente, anunciando que se aproximava a hora de cada um recolher-se, pois ia "desligar o motor". Após o terceiro sinal, escuridão total!Sílvio foi um amigo-irmão muito querido.

A vida e as circunstâncias cortaram o encontro, mas nunca o afeto. Lembro de uma das últimas vezes em que o vi, senão a última, quando já morava aqui no Recife, na Rua do Futuro. Fiquei emocionada pela forma como ele e Creuza acolheram Danilo, meu filho - e o deixaram tão à vontade, que os dois, ele e Sílvio, acabaram brincando na cama do casal, na maior, mais natural e mais bonita parceria. Como maior, mais natural e mais bonita foi a nossa preciosa parceria de amigos-irmãos naqueles nossos velhos tempos, que, lamentavelmente, não voltam mais.




Laíse Rezende
Recife-PE
Fevereiro/2022

11 comentários:

  1. Amiga Laíse, que texto maravilhoso e emocionante para mim, pois tinha a maior estima pelo primo Sílvio, e lendo o seu relato, volvi a um tempo que só posso imaginar. Creio que o tempo que você escreve, esteja entre os anos de 1954 e 1957, ano que falaste da saída de Custódia para estudar em Recife. Texto muito importante para memória da nossa cidade. Parabéns! E um grande abraço. Jorge Remígio

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    1. Amigo Jorge, fico muito feliz com o seu comentário e, comovida, agradeço. E confirmo, impressionada com a sua precisa identificação das coisas no tempo, o período que você "adivinha" - entre 1954 e 1957 - em que se localiza o que descrevo no meu texto. Grande abraço.
      Laíse Rezende

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  2. Jorge, realmente um texto forte. Não me lembro bem da Laise. Elogio seu 'sctipt' ficou 'xik'

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  3. Eu lembro muito dele,era ele que sempre consertava o som do carro de meu pai,eu era moleque más me lembro bem.

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    1. Que bom ter provocado essas boas lembranças!
      Laíse Rezende

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  4. Parabéns querida Laise. Seu texto externa uma linda amizade. Descrever uma das maiores personalidades realmente foi fantástico. Só assim, podemos conhecer melhor como ele era. Obrigada por esta grande contribuição.

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  5. Em tempo: Esse comentário acima não me identifiquei. Sou eu Lucia Góis. Abraços querida Laise

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    1. Agradeço muito, querida Lúcia, seu comentário, que me fez tanto bem. Você sempre me dá a certeza de que enxerga além das palavras, absorve e aprecia o que elas querem dizer. Por isso, sente o que lê e gosta do que a gente escreve. Ter esse retorno me gratifica muito. Num tempo como este que estamos vivendo, palavras assim são um presente - aliviam, suavizam, consolam.
      Um grande abraço.

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  6. Parabéns, Laise, texto irretocável, retrata Sílvio como realmente ele foi. Fez parte do famoso trio Os Três Mosqueteiro de Custódia, junto a meu Compadre Pedro Pereira e Dr. Ernesto Queiróz Júnior, pois juntos travaram a incansável batalha pela educação de nossa terra, sem falar na grande contribuição que deram à cultura e consequentemente ao desenvolvimento de nossa terra. E olhe que naqueles tempos tudo era dificil, imagine-se a luta que travaram para levar o conhecimento ao custodienses de então. Paraabéns, foi resgatado uma importante página na história de Custódia. (J.Melo)

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  7. Zé Melo,
    Agradeço muito suas palavras, que me dão uma alegria especial, porque vindas de quem tanto admiro o estilo de escrever, que sempre encanta. É importante o registro que você faz sobre esses Três Mosqueteiros, na dura batalha que travaram pela educação e cultura na nossa Custódia. O legado ficou e contempla todos. As pessoas que foram testemunhas confirmam. E ganha a nossa terra!
    Laíse Rezende

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