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21 maio, 2025

Padre Antônio Duarte. Um Pároco esquecido.


Padre Duarte


Eu ainda criança, por volta dos dez anos de idade, ouvi muito a minha mãe falar de um padre que exerceu o seu sacerdócio em Custódia, na juventude dela. O Padre Duarte, era assim que se referiam a ele. Até por minha pouca idade, não dei muita importância aos seus relatos, mas, na minha juventude, o interesse por esse personagem carismático foi evidente. Ele causou uma revolução na sociedade custodiense durante o seu paroquiato, por volta do ano de 1935 até meados da década de quarenta.

Usei a palavra revolução porque ela representa uma mudança radical no estado das coisas, e foi justamente o que ocorreu em nossa cidade. Ele tinha vários talentos, era poeta, compositor, eletricista, tinha noções de arquitetura e engenharia, orador, como também cantava divinamente as músicas sacras.



Igreja Matriz ainda sem a torre e com torre em construção.

O seu antecessor, Padre Leão Pedro Verzeri, que era arquiteto de formação acadêmica, dedicava-se quase exclusivamente às ordens sacerdotais, porém, deixou um grande legado: a construção da bela igreja de São José, iniciada próximo de 1920. Devido a precariedade e dificuldades econômicas, a construção do templo ficou inacabada e não foi possível edificar a torre, ficando assim por mais de dez anos.

Por volta de 1937 ou 1938, o Padre Duarte tomou a iniciativa de reunir várias pessoas de Custódia, autoridades, comerciantes, rapazes e moças, e foram em cima de caminhão até a fazenda São Gonçalo, pertencente ao industrial do caroá, Dr. Aurélio José de Vasconcelos, fazer um pedido, que ele custeasse a obra para conclusão da torre da nossa matriz. O qual, sensibilizado, arcou com todas as despesas, e no ano de 1939, finalmente a igreja ficava exatamente como na sua planta original.

O Padre Duarte, logo apôs a sua chegada, oriundo da paróquia de Floresta, encaliçou e pintou as paredes externas do templo, que eram em tijolos aparentes, construiu a calçada frontal e também a casa paroquial. O sacerdote deu vida e deu alegria à cidade, até então excessivamente monótona. A juventude, chamada à época de mocida
de, raramente tinha diversão. 

O padre contribuiu muito para que as festas tradicionais que se comemoravam durante o ano, tivessem uma maior participação do povo do lugar. A festa do padroeiro São José; o mês de maio cultuado com bastante veneração; o São João com balões, fogueiras, comidas típicas; e as festas do final do ano, Natal e Ano Novo, ficaram repletas de atrações culturais, a exemplo de pastoris; quermesses; dramas, que era uma encenação teatral; jogos e danças.

O salão paroquial, que ficava onde hoje é a Escola Maria Augusta, na Rua João Veríssimo, passou a ser um espaço dedicado à juventude. Alí encenava-se peças teatrais, a exemplo de uma que ficou na memória do povo, comentada por José Carneiro em seu livro, que foi a peça “A Louca do Jardim”, tendo como protagonista Luzia Aleixo, filha de seu Cassiano. Os afinados cantavam com desenvoltura, foi criado um jornal, enfim, todas essas atividades favoreciam a interação dos jovens daquela época.


José Farias na Praça Ernesto Queiroz


O meu tio José Farias (1933) contou-me que aos domingos, após o catecismo, o espaço em frente à igreja enchia-se de gente, todos ansiosos para ver e também participar das atividades criadas pelo Padre Duarte. Ainda não havia a praça, era chão batido em um largo retangular.

A Praça Padre Leão só foi construída na administração do prefeito Joel Inocêncio Gomes de Lima, entre 1952 e 1955. As moças participavam das corridas de sacos, e os meninos disputavam corridas, saindo ao lado da igreja, até o final do largo, onde hoje fica a sorveteria de Olímpio.

O vencedor ganhava, como prêmio, uma sacola grande, com várias guloseimas, feitas na própria cidade. Pirulitos, alfenim, cachimbo, chupeta… feitos de açúcar.

Quem perdia, ganhava uma sacola menor. Zé Farias era o campeão das corridas.

Magro, quando disparava não tinha para ninguém, era um raio, 
adquiriu até a fama de imbatível. 



Juracy Marinho

Um certo domingo, já se achando vencedor, foi batido por Expedito Marinho.

Inconformado, chorando, sem aceitar a derrota, foi consolado pelo padre.

Expedito era irmão de Juracy Marinho(foto) e Edinalva Marinho.

Zé Farias mantinha uma grande amizade com Juracy, o coroinha do Padre Duarte.

Um certo dia, Juracy vestiu a batina de sacristão, reuniu a meninada e trancaram-se no interior da igreja. Ali foi encenada uma missa, onde todas as hóstias foram distribuídas entre eles. Padre Duarte ficou bravo com o ocorrido, pois ficou impossibilitado de comungar os fiéis por mais de uma semana. Levou o coroinha até a presença do pai e relatou a presepada deste. Aquilo foi uma blasfêmia e o castigo foi necessário.

Juracy cresceu, e como era comum aos rapazes da época, foi para a capital tentar uma vaga em uma das Forças Armadas. Conseguiu ingressar na Marinha do Brasil. Não era fácil, até porque a concorrência era grande. Viajou muito, conheceu vários países mundo afora, mas o seu maior desejo era conhecer a Itália. Era ali coladinho que ficava o Vaticano, nem cogitava a possibilidade de ver o Papa João XXIII pela janelinha, porém, já seria muito grato passear pela Praça São Pedro.

Enfim, esse dia chegou, estava no Vaticano. Os marinheiros, divididos em grupos, observavam deslumbrados aquele conjunto arquitetônico barroco, estavam encantados com a beleza esplêndida daquele local. Realmente, estava em êxtase, quando foi chamado por colegas em um grupo à sua frente. “Juracy, tem um padre brasileiro aqui, disse que é do Estado de Pernambuco, queria saber se tinha alguém do Estado dele, venha falar com ele” Juracy se dirigiu às pressas até o sacerdote e este lhe perguntou de qual cidade ele era natural. Falou que era de Custódia. Então, o padre ainda lhe fez outra pergunta. -Você é filho de quem?

-Sou filho de Olímpio Marinho.

-Ah! então foi você que comeu todas as minhas hóstias

Foi uma gargalhada geral dos seus colegas de farda. Naquela época não se usava o termo bullying, mas Juracy foi importunado toda viagem de volta, com o apelido de “papa hóstia”.



Igreja Matriz em 1944

O Padre Duarte foi transferido de Custódia para a distante região do Norte do Brasil, por determinação do bispo de Pesqueira, no ano de 1945 ou 1946, por denúncia de assédio sexual. Fato não comprovado, ninguém testemunhou e não foi investigado categoricamente nada sobre esse assunto.

Entendo que este episódio, supostamente pode ter tido uma conotação política, uma vez que foi justamente na casa paroquial no ano de 1944, onde se deu o “banquete conspiratório”, com a presença do então Interventor do Estado, Etelvino Lins, que culminou com a ascensão ao poder local do industrial, dono do curtume, José Estrela, em detrimento do então Prefeito Ernesto Alves de Queiroz, nomeado pelo Interventor Agamenon Magalhães no ano de 1939.



Padre Duarte bem velhinho

O que fica claro, é o esquecimento e o não reconhecimento por parte das pessoas influentes da nossa cidade, da grande importância que teve o Padre Antônio Duarte, para nossa comunidade. Não existe nenhuma homenagem edificada ao padre que tanto contribuiu para o progresso da nossa terra. Pessoas que vivenciaram aquela época áurea, quase todas já se foram, logo a sua memória cairá em total desconhecimento para os habitantes da nossa cidade.

Termino essa crônica com uma estrofe de uma poesia em versos, de autoria do Padre Duarte, recitada pela menina Joany Pereira, nas comemorações do aniversário do Prefeito Ernesto Queiroz, no dia 20 de julho de 1940.

“Eu sou bem pequenininha,
mas já sei também, falar;
nesta cena meus senhores,
vem Joany representar;
nós estamos hoje em festa,
hoje em festa estamos nós,
porque é aniversário
do Ernesto de Queiroz!



Jorge Remígio.
Recife-PE
maio de 2025.




Fonte de pesquisa.

Livro. Um Coronel Sem Patente, de Ernesto Queiroz Júnior
Livro. Caminhos do Afeto, de Sevy Oliveira
Livro. A Baraúna, de José Carneiro de Farias Souza.

Agradecimentos a José Farias Souza (1933), Genésia Rezende (1920), Ozanira Farias Remígio (in memoriam, 1922-2010) e Olímpio Marinho pelos importantes relatos e informações preciosas.

20 comentários:

  1. Que linda história desta cidade que eu amo. Obrigada Jorge.
    Lúcia Marta Assis

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  2. Parabéns Jorge, por este relato tão importante desta história tão cheia de saudades, adoro seus escritos, que bom termos o Blog de custódia através do amigo Paulo.

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  3. Parabéns, Jorge! Estou maravilhada com esse relato tão especial.

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  4. Parabéns pela narrativa super interessante, meu querido irmão! Realmente o Padre Duarte merecia ser reconhecido com alguma homenagem por ter sido uma figura tão importante pra nossa cidade!

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  5. Parabéns Jorge Remígio ! Perfeita sua crônica ! 👏👏👏👏👏👏

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  6. Parabéns Primo!!
    Que bom que você resgatou essa história maravilhosa e importante para a nossa querida Custódia.

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  7. Obrigado, amiga Marta.

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  8. Obrigado, querida irmã.

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  9. Obrigado, amiga Marta.

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  10. Parabéns,Jorge Remígio!! Adoro ler suas crônicas, a nossa imaginação fica a mil imaginando os detalhes de cada cantinho dos seus relatos, é como se a gente tivesse vivido esse momento. 👏🏻👏🏻👏🏻👏🏻

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  11. Parabéns Jorge!
    Muito interessante e importante resgate da história do Padre Duarte para Custódia.

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  12. Tempos idos, nunca findos. Vale relembrar. Fernando Florêncio.

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  13. Mais uma bela história contada, com poesia e a beleza de sempre pelo cronista e pesquisador, meu nobre amigo Jorge Remigio.

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  14. Dannylo Ruithe
    Lê esta crônica com tantos personagens de tempos distantes, mas atuais na oralidade das histórias contadas por minha mãe é comprovar por nomes destes personagens, como o próprio padre Duarte ao interventor Etelvino Lins, alguns com a amável figura da amiga querida da minha mãe Ednalva Marinho e de seu primo amado "Zé Colônia" Custódia foi berço, abrigo, cena de muitos acontecimentos de uma típica sociedade brasileira em formação do início do século 20 do milênio passado. Muito bom texto Jorge Remígio .

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  15. Obrigado, amigo Ivamberto

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  16. E muito importante ter pessoas que se interessam em relatar sobre a história de sua terra Natal para que não se apague os ocorridos ao longo do tempo.

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  17. Obrigado Jorge Gelvanes

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  18. "Fiquei profundamente encantado com essa belíssima narrativa. Minha gratidão ao estimado Jorge Remígio por compartilhar conosco esse relato tão rico em memórias e significados, e ao querido Paulo Peterson por dar visibilidade a essas preciosas páginas da história de nossa amada Custódia por meio deste blog tão especial. Que iniciativas como essa continuem a fortalecer nossa identidade e preservar nossas raízes."

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