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10 junho, 2023

Carí - Autor: José Soares de Melo

 


José Soares de Melo
Recife-PE
Março/2012


Anteriormente já falei de Carí, de sua participação no Bloco do Cariri. Como disse ali, efetivamente ela chefiava as mulheres de vida fácil no Sepitinga. Eram inúmeras, que viviam basicamente do faturamento que obtinham nos dias de feira, nas festas de São José, ou em incursões por outras cidades.


Mas o tempo foi passando, o crescimento da cidade foi aumentando, as habitações se aproximavam do Sepitinga, que era relativamente afastado do resto da cidade – ficava por trás das Avenidas Manoel Borba, Onze de Setembro, e da Rua Dr. Fraga Rocha. Com o passar do tempo as construções invadiram o que um dia fora a zona, e a profissão mais antiga do mundo teve que se render ao progresso: acabou a zona. As mulheres espalharam-se pela periferia, outras mudaram de cidade, e a chefe tomou uma decisão: abandonou a vida fácil e foi ser fazendeira, num pedaço de terra no sítio Catolé.

Lembro perfeitamente do visual adotado por Carí, quando passou a cuidar de seu rebanho caprino: calça e camisa masculinas – coisa rara naquela época, botas de vaqueiro, chapéu de couro, transformando-se assim numa autêntica sertaneja masculinizada.
Dava duro, plantava sua lavoura, cuidava de seu rebanho, enfim, levava uma vida igual a de milhares de bravos sertanejos.
Não se sabe como, surgiu no seu rebanho de caprinos, uma raça de bode com uma característica absurdamente estranha: os Bodes, apesar de Machos e bons reprodutores, davam leite! Sim, davam leite, sim senhor. É verdade que era pouco leite, mas dava. Isso chamava a atenção de quantos vissem, e não raro, muitos faziam questão de ir conhecer aquela coisa estranha para todos dali.
Recordo que em frente a sua casinha, à beira da Estrada que ia para Maravilha, havia uma cancela, que obrigavam os veículos a parar para poder abrir a cancela e passar. Sempre que passava lá eu ficava imaginando como é que Carí se adaptara a uma vida tão difícil como aquela. Hoje, creio que entendo porque ela se adaptou: é que a “as mulheres de vida fácil” que é como chamavam as profissionais do sexo, na verdade tinham uma vida muito pior que a dura vida do homem do campo.
Não sei o final dessa história. O tempo se encarregou de apagar o roteiro de uma vida que marcou tantas pessoas naquela cidadezinha. Talvez porque essas pessoas não quisessem ser lembradas como alguém que viveu àquela época, como se aquela vida fosse amaldiçoada. Ela foi uma líder coerente com sua condição de prostituta enquanto ralou na chamada “vida fácil”, e foi uma cidadã perfeita quando resolveu deixar aquela vida para trás.

José Soares de Melo

Um comentário:

  1. Caro Zé Melo. Na falta de uma ocupação mais interessante, passo a esmiuçar os escritos nesta academia. Consoante seu comentário, ainda moleque, aguardava ansioso a chegada do Carnaval, quando na madrugada do sábado de carnaval, ressoava o vozeirão de Alaíde Silva Carvalho, vindo da "Bomba" ecoando por toda a cidade. Era o Bloco de Carí, que naquele lusco-fusco de madrugada, quase rompendo o dia, as Meninas de Carí vinham descendo a ladeira, que mediante o vozeirão de Alaíde cantando: "la vem o Cariri ahi, cansado de pegar crianças pegando as moças solteiras pega tudo que a vista alcança..."
    Estava aberto o Carnaval de Custodia que assim começava o "mela-mela (entrudo). Dali até quarta feira de cinzas, era só alegria.
    Obs: Pela indumentária da vestimenta da Carí, ouso afirmar que Cari foi a primeira mulher TRANS de Custódia.
    Fernando Florencio
    Ilhéus\Bahia

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